“Nata Sum e Paulistarum Robore”
(Nasci da Bravura dos Paulistas)
Prof. Dr. Sérgio Romanello Campos (*)
O título desta despretenciosa resenha histórica de Mogi Mirim, outra coisa não é, senão a divisa que consta no listel do Brasão Municipal. De fato, Mogi Mirim teve sua origem a partir de um pouso bandeirante estabelecido pelos paulistas em sua arremetida às partes mais interiores do Brasil, em busca de pedras preciosas, ouro e, especialmente, ir além da linha demarcatória do meridiano estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas.
Assim, às bandeiras, “que se encaminhavam até os sertões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, deve Mogi Mirim a sua fundação. Os exploradores, naturalmente atraídos pela beleza da posição topográfica, salubridade do clima, fertilidade das matas, extensão e excelência dos campos, estabeleceram-se nesta localidade com plantações e criações de animais, formando assim um centro rural e agrícola para abastecimento das bandeiras” (1).
Desconhecem-se a data de fundação e os nomes dos fundadores de Mogi Mirim. É de se supor que as primeiras habitações – pouco mais do que choupanas – tenham sido construídas ou nos últimos anos do século XVII ou, o que é mais possível, no início do século XVIII.
João Mendes Junior preferiu situar entre 1719 e 1721 o começo do núcleo do arraial de Mogi Mirim (nome que, na língua tupi, bastante usada pelos bandeirantes – assim como o português – tem, como interpretação mais aceita, a de “Pequeno Rio das Cobras”).
Alguns dos mais antigos habitantes de Mogi Mirim foram relacionados por Mendes Junior após pesquisa no século passado e com referência ao século XVIII: Manoel Garcia Velho, Francisco de Siqueira, Angelo Preto, Inácio Preto de Moraes, Salvador Jorge de Moraes, Antonio de Araujo Ferraz, Francisco Bueno Pedroso, Liberata Leme da Silva, Vicente Adorno, Mateus de Cubas, Francisco Portes del-Rei, José Barbosa Rego, Sebastião Leme do Prado, Francisco Xavier Bezerra, Inácio Cardoso da Silva, Manoel Rodrigues de Araújo Belém, Domingos Gomes de Oliveira, Geraldo Pires de Araujo, José Grojão Cotrim (posteriormente, nos descendentes deste, o sobrenome Grojão foi alterado para Gurjão), Melchior Pereira de Campos, etc.
A Freguesia – o arraial de Mogi Mirim já possuia bom número de habitantes quando, a 29 de junho de 1747, começaram a ser cavados os primeiros alicerces daquela que seria a primitiva Igreja Matriz de São José.
Era, portanto, a vida religiosa lançando as bases de sua organização e atividades bem antes do começo da autonomia municipal. A 1º de novembro de 1751, por provisão, o arraial de Mogi Mirim ficou desmembrado da Freguesia da Conceição de Mogi do Campo (depois denominada Mogi Guaçu). Mogi Mirim ficava sendo uma nova Freguesia – isto é, Paróquia – tendo São José como seu padroeiro.
Naquele 1º. de novembro, Dia de Todos os Santos, era celebrada a primeira Missa na nova Freguesia. “O arcedíago da Catedral de São Paulo ia então benzê-la e oficiar a primeira missa. É uma data memorável para a História da cidade. Aquela singela prova de fé de há dois séculos atrás representava a alvorada da civilização. Ainda, pelas abas do arraial, os terríveis caiapós ostentavam, nas tribos seculares, a selvatiqueza indomável da raça” (2).
O primeiro Vigário da Freguesia de São José de Mogi Mirim foi o Padre Dr. Antonio Dâmaso da Silva, que tomou posse aos 9 de novembro de 1751.
A Vila – Mogi Mirim e Mogi Guaçu eram arraiais (mas Freguesias apenas do ponto de vista religioso) subordinados à Vila de Jundiaí, portanto integrando aquele Município muito vasto.
Aos 27 de junho de 1769, o Capitão-General D. Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão (Morgado de Mateus), imagem anterior, Governador da Capitania de São Paulo, enviou Ofício ao Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca de São Paulo ordenando-lhe que “faça erigir a dita Povoação de Mogi Guaçu em Vila levantando-lhe pelourinho e assinalando-lhe termo assinado pelos vereadores das Câmaras circunvizinhas…”
Mas como o Dr. Salvador Pereira da Silva, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca de São Paulo, não deveria se muito afoito, apenas aos 6 de outubro de 1769 chegou à Vila de Jundiaí para efetuar correição e colocou os Vereadores ao par das ordens do Governador da Capitania de São Paulo, ou seja, elevar Mogi Guaçu a Vila.
Já no dia seguinte, a Câmara Municipal de Jundiaí mandou mensageiro a cavalo com Ofício para entregar no Palácio do Governador da Capitania. O longo arrazoado do Ofício dos Vereadores jundiaienses baseava-se em dois pontos principais: as condições naturais desfavoráveis de Mogi Guaçu (lamaçais, proximidade de rio que facilmente transbordava e febres) e apontava as condições favoráveis de Mogi Mirim.
Depois que recebeu o Ofício da Câmara de Jundiaí, o Governador da Capitania de São Paulo enviou correspondência para o Ouvidor Geral, em que ordenava a este mandasse “examinar qual dos sobreditos dois Arraiais será mais próprio e conveniente para nele se levantar Vila, e achando que o de Mogi Mirim prevalece nas circustâncias, que se requerem na forma da representação da Câmara, de que remeto cópia: Vossa Mercê o eleja a mande erigir em Vila na forma das antecedentes Ordens que lhe tenho expedido”.
E no mesmo dia 11 de outubro, o Governador da Capitania de São Paulo mandou outro Ofício – este para os Juízes Ordinários e Oficiais da Câmara da Vila de Jundiaí: “Louvo muito a Vossa Mercês o zelo, com que me expõem as circunstâncias que concorrem para haver de mudar a idéia, com que pretendia levantar Vila no Arraial de Mogi Guaçu deixando este por menos idôneo e elegendo o de Mogi Mirim, que o excede muito em todos os requisitos…”
Finalmente se optou por elevar a Freguesia de São José de Mogi Mirim a Vila. Assim, aos 22 de outubro de 1769, chegava a Mogi Mirim o “Juiz de Órfãos trienal da Vila de Jundiaí, Sargento-Mor Antonio Jorge de Godoi, por ordem do Doutor Salvador Pereira da Silva, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca de São Paulo, para efeito de fundar e estabelecer esta nova Vila…” (3).
A Vila de São José de Mogi Mirim passava a abranger um enorme território municipal, tendo por limites o Rio Atibaia e o Rio Grande (este na divisa entre São Paulo e Minas Gerais). Com o passar do tempo, foram se formando arraiais e povoados no então muito extenso Município de Mogi Mirim, que posteriormente foram elevados a freguesias e vilas e consequentemente se desmembrando de Mogi Mirim, tais como Franca, Casa Branca, Descalvado, Rio Claro, Mogi Guaçu, Itapira, São João da Boa Vista, Serra Negra, Espírito Santo do Pinhal, etc.
A Cidade – pela Lei nº 17, de 3 de abril de 1849, o Presidente da Província de São Paulo, Padre Vicente Pires da Mota, elevou a Vila de Mogi Mirim à categoria de Cidade. A elevação de uma Vila a Cidade era pouco mais que uma honraria, pois ela passava a ter dois Vereadores a mais que ao tempo de vila.
Mas sendo Cidade, por Lei Provincial de 17 de julho de 1852, Mogi Mirim passou a ser sede de Comarca, ou seja, começaria a possuir Juiz de Direito e Promotor embora continuasse a haver o Juiz Municipal (este era cidadão eleito dentre a lista de candidatos propostos pela Câmara Municipal).
No século passado, por três vezes Mogi Mirim recebeu a visita do Imperador Dom Pedro II: em 27 de agosto de 1875, para inauguração do trecho Campinas – Mogi Mirim, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro; uma outra visita a 14 de setembro de 1878 e, finalmente, outra em 26 de outubro de 1886.
Em agosto de 1886, os fazendeiros de Mogi Mirim – tal como os de outras cidades – começaram a angariar o trabalho de imigrantes estrangeiros, os “colonos”, para suas lavouras de café e algodão. Chegaram dezenas de famílias de imigrantes italianos, portugueses, espanhóis (a maioria para o trabalho na lavoura, uma menos parte o trabalho urbano) e, posteriormente, sírios-libaneses e japoneses a partir do início do século XX.
Juntamente com mogimirianos e mogimirianas de estirpes mais antigas, os imigrantes e seus descendentes nacionais tem concorrido expressivamente para a vida comunitária local, especialmente nos setores agrícola, comercial, industrial, social, político, cultural, profissional liberal, associativo e de prestação de serviços.
(*) Prof. Dr. Sérgio Romanello Campos, mogimiriano, falecido aos 24 de outubro de 2004, era Historiador, Advogado e professor efetivo de História na Escola Estadual Monsenhor Nora em Mogi Mirim.
Bibliografia:
(1) “Revista Histórica do Município de Mogi Mirim” – Estudo de João Mendes Junior, publicado em 1ª edição em 1889; reedição de 1971, sob os auspícios da Prefeitura Municipal de Mogi Mirim, com a colaboração da Editora Revista dos Tribunais.
(2) “História de uma Cidade Bandeirante”, Washington Prado, 1ª edição em 1951, Casa Cardona, Mogi Mirim.
(3) “Termo de Fundação e Estabelecimento da Vila de São José de Mogi Mirim”, texto manuscrito, cópia de trecho original lavrado em 22 de outubro de 1769.